quinta-feira, 12 de março de 2015

Lobão: 'O pai disso tudo é o Lula'


Lobão
O músico Lobão: 'Brasil é um país de gatunos'

Por que você diz que não vai subir em carro de som no dia 15? Em novembro passado, eu fui a uma manifestação na Avenida Paulista. Alguém me viu na multidão e me pegou para subir em um carro de som. Depois vi que tinham me fotografado ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-RJ), filho do Jair Bolsonaro (PP-RJ), que estava com uma arma presa à cintura, por baixo da camisa. Um horror. Em seguida, encontramos outro carro de som ocupado por um pessoal que defendia a intervenção militar. No começo, todos que estavam próximos de nós ficaram indignados, mas logo depois já trocavam figurinhas. Aí eu fui embora. Ficou essa pecha de que eu era o militarista. Dessa vez, chamei todos esses líderes de grupos que apoiam os militares e organizamos um manifesto nos comprometendo a deixar esse papo de lado - seria um tiro no pé, tudo o que o PT queria. Eles juraram de pés juntos que não trariam mais o assunto nas próximas passeatas. Só que, na manifestação seguinte, na hora em que cheguei, já vi várias faixas a favor da intervenção militar. Percebi que há muito interesse político em jogo dos dois lados. Então, para mim, passeata tem de ser no chão. O resultado é que agora esse pessoal da intervenção militar me odeia tanto quanto o PT. Melhor assim.

O que o PT diz a seu respeito? 

Que eu sou um músico falido, um ex-músico. Que engraçado, há pessoas que eu detesto ou de quem discordo, mas sei separar uma coisa da outra. Oscar Niemeyer era uma anta política, mas tinha o seu talento. Era ex-arquiteto só porque era comunista? Não. Mas é o que o PT faz.

Pensa em ser político? 

Eu não tenho o menor gabarito para isso! Se eu pudesse, faria uma legislação estabelecendo que, para ser político, é preciso ter mais de 50 anos, muito dinheiro, falar seis idiomas, ter curso de política internacional, economia e direito. Tem que ser gabaritado, alguém da elite. Um cara pobre tem mais chances de se lambuzar. Você vê o Michael Bloomberg (empresário bilionário e ex-prefeito de Nova York) doa 50 milhões de dólares para a municipalidade. O Brasil é um país de gatunos, de pessoas que vão para a política para resolver sua situação financeira, quando deveria ser o contrário. Apartamento funcional deveria ser pequenininho, para o cara ficar lá, labutando, não para ser um parasita. Política não ê para ganhar dinheiro.

O que você vai defender no dia 15? 

Que a Dilma saia, que o PT saia e todos os culpados sejam punidos. A presidente não tem competência. É bruta, estourada, azeda, não tem traquejo. Mas tem de lembrar que ela é uma espécie de bode expiatório. As pessoas pensam: panelaço contra a Dilma tudo bem, mas com o Lula nem pensar. Tem gente que quer que a Dilma seja expulsa, mas votaria no Lula. Bom, então você não entendeu nada do que está acontecendo. O pai disso tudo é o Lula.

Você compôs uma música chamada Marcha dos Infames (ouça a seguir). É uma espécie de hino para o momento atual? 

Um tempo atrás, um cara tinha me encomendado uma trilha para uma peça de teatro do Samuel Beckett. Peguei uma viola caipira e comecei a fazer quatro variações de um tema, como a Heróica, de Beethoven. Acabei brigando com o cara e a música ficou ali. Eu não sabia o que fazer com ela. Quando veio a Copa do Mundo e entramos na lista negra do futebol, pensei em criar uma cenografia grandiloquente, fazer uma coisa orquestrada, beirando a ópera bufa. Pensei na queda da Bastilha, quase uma Marselhesa. Fiz uma coisa marcial. Infelizmente ela continua atual, mais do que nunca. Antes as pessoas não entendiam do que eu estava reclamando, agora estão sentindo na pele. A música beira o cômico e se fosse 100% levada a sério, seria ridícula. Vou regravá-la para meu próximo disco, que deve se chamar O Rigor e a Misericórdia.

Suas posições políticas interferem nas suas relações de amizade? 

Minha mulher estava se lembrando que, no primeiro aniversário dela que comemoramos em São Paulo, logo que nos mudamos do Rio de Janeiro para cá, veio muita gente. De lá para cá, um monte desapareceu, cortou relações. O Brasil tem essa esquerda burra. Escrevi o livro Manifesto do Nada pensando nisso: no orgulho que temos de coisas que em qualquer outro país gerariam crise. Ser malandro, por exemplo. Só no Brasil é que ser honesto pega mal. Isso tudo ficou muito evidente no governo do PT. Não quero isso pra mim. A gente chegou ao paroxismo no PT. O Brasil inspira pouca esperança hoje.

A manifestação pode criar uma nova frente contra essa situação? 

Não, pode apenas ajudar a destituir o governo que está aí, mas isso não significa que vá resolver nossos problemas. Pelo contrário, significa que talvez tenhamos de enfrentar um caos maior. Sei lá quem vai entrar, estamos numa nave desgovernada. Mas acho que temos de ir em frente, é uma questão de redenção do povo brasileiro.

Quem é a oposição ao governo hoje? 

É um balaio de gatos que reúne todo mundo que não gosta do PT: evangélicos, militares, radicais, "bolssonaristas" ferrenhos etc. Eu não consigo me situar. E esses grupos atrapalham, porque estão se digladiando. E tem um pessoal muito grosso, essa turma que grita "vaca" no panelaço. Os artistas, que poderiam dar um tônus mais coerente, não aparecem. Fico eu ali sozinho. Vejo atrocidades dos dois lados.

A quem cabe o papel de protagonista neste momento, a manifestantes ou partidos políticos?

Sempre fui a favor dos políticos, desde as Diretas Já. O PSDB ficou com a pecha de estar patrocinando a manifestação do próximo domingo, mas não vejo nenhum mal em a oposição patrocinar uma passeata de oposição. Parece que o PPS tomou a frente e claro que também são bem-vindos. Se não for pedir intervenção militar e estiver dentro da legalidade, perfeito. A gente precisa dos políticos até para que ativem um eventual processo de impeachment ou para que conduzam o que for necessário caso ela renuncie, o que seria melhor.

Veja.com

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